A especialista em tecnologia comenta como o uso da IA otimiza a rotina das pessoas, desde a transcrição de reuniões a traduções em tempo real
Martha Gabriel, CEO, autora, professora, Membro do Board de AI da Samsung Brasil, palestrante e um ícone multidisciplinar na América Latina nas áreas de negócios, tendências e inovação — Foto: Divulgação
Com a chegada de modelos de linguagem generativos como o ChatGPT, da Open AI, ou Gemini, do Google, milhões de usuários puderam, pela primeira vez, conversar e obter respostas de um computador, da mesma forma que se conversa com um humano. Segundo a pesquisa Tracking Sintonia com a Sociedade 2023, da Globo Gente, 37% das pessoas usaram ferramentas de IA para estudar ou produzir textos e 22% usaram como uma ferramenta de busca geral.
Para Martha Gabriel, CEO, autora, professora, Membro do Board de AI da Samsung Brasil, palestrante e um ícone multidisciplinar na América Latina nas áreas de negócios, tendências e inovação, o engajamento dos profissionais com a inteligência artificial tem aumentado significativamente, mas muitas pessoas ainda são resistentes às tecnologias inteligentes devido a previsões pessimistas sobre como elas podem tirar o protagonismo humano em diversas atividades. Na verdade, para Martha, pode ocorrer o oposto disso.
A pesquisa reforça esse ponto, já que 68% dos consumidores concordam que a IA é uma ferramenta que pode tornar a rotina mais ágil e 43% concordam totalmente ser uma fonte confiável de informação.
Em um papo exclusivo, Martha Gabriel falou sobre os impactos da inteligência artificial no dia a dia das pessoas e sobre como o celular será um catalisador para esta adoção. ‘É o momento dos humanos abraçarem a inteligência artificial para podem se ampliar e expandir para um novo patamar de cognição e produtividade que só é possível por meio das tecnologias inteligentes’, diz.
Em entrevista exclusiva, Martha Gabriel conversa sobre inteligência artificial no cotidiano — Foto: Divulgação
Valor: Nos últimos anos, só se fala sobre inteligência artificial, e muitas pessoas e empresas estão embarcando nessa onda. Entretanto, olhando para o público em geral, ainda é algo que está restrito aos curiosos ou aos chamados early adopters. Isso está mudando?
Martha: A inteligência artificial não é um conceito novo. Ela surgiu nos anos 50 e, mesmo naquela época, os desenvolvedores já achavam que tudo seria transformado em 10 anos. O que não aconteceu. Nas décadas seguintes, vimos inovações em redes neurais e data mining sendo gradativamente adotadas pelo setor corporativo, sendo que desde 2010, devido ao grande avanço na capacidade de hardware, esse uso passou a ser cada vez mais intenso, especialmente em grandes empresas. Esse foi o primeiro estágio de adoção da IA no mercado – a IA 1.0. No entanto, assim como a internet teve a Web 1.0 e depois virou 2.0 com o “boom” dos celulares e redes sociais, estamos caminhando para este novo estágio com a inteligência artificial – a IA 2.0. Isso aconteceu justamente porque desde o final de 2022, ao invés de ser necessário possuir um perfil profissional técnico especializado para poder usar IA, isso passou a ser possível apenas conversando ela, algo que teoricamente qualquer ser humano pode fazer – profissional, ou não. Ainda estamos vivemos o “hype” desse processo, mas ele funciona como a fumaça que, apesar de turvar a visão, é de que tem fogo por perto. Quanto maior o hype, mais significativo tende a ser aquilo que está acontecendo.
Valor: Na sua opinião, como e quando sairemos do hype para que a inteligência artificial se torne parte da vida das pessoas, assim como o celular é hoje em dia?
Martha: Apesar da IA no cotidiano ser algo ainda muito novo, coisa de um ano, sabemos que a sua adoção é um caminho sem volta. A IA deve estar cada vez mais presente em tudo ao nosso redor, em todos os aspectos de nossa vida, do pessoal ao profissional, tornando-se cada vez mais importante para o funcionamento do mundo, mas, ao mesmo tempo tornando-se invisível, como é hoje a eletricidade. Para muitas pessoas, isso gera confusão e preocupação. Estamos falando de inovações que entram em todas as áreas de forma muito profunda, de uma tecnologia que automatiza processos cognitivos no grau humano, algo que nunca tivemos antes. Hoje, ela é capaz de fazer buscas e responder perguntas melhor do que muitos de nós. Com a IA evoluindo e se disseminando, tudo o que puder ser automatizado — inclusive o sistema de produção cognitivo –, será. Nesse contexto, não adianta tentar competir com a tecnologia naquilo que ela faz melhor que a gente – a única forma de mantermos a nossa relevância nesse contexto é fazer melhor o que ela não faz, que são as habilidades relacionadas com soft skills, ou human skills, especialmente o pensamento crítico, que é a habilidade base para conseguirmos entender o que está acontecendo, saber utilizar a tecnologia e tomar melhores decisões.
Valor: E como começamos a passar para esse lado mais crítico e criativo, com o apoio da IA?
Martha: Acredito que o celular tem uma importância crítica nesta transição, da mesma forma que o celular foi fundamental para a explosão do acesso à web. O. smartphone é o dispositivo que nos acompanha em quase todas as nossas atividades diárias, tendo se tornado uma extensão do nosso cérebro. As funcionalidades que se incorporam nos smartphones alteram a forma como nos comunicamos, divertimos, relacionamos, estudamos, registramos e enxergarmos o mundo. Ele é a nossa ampliação tecnológica mais imediata, porque está sempre acessível, nas nossas mãos, influenciando diretamente o nosso comportamento. Hoje, os smartphones que incorporam funcionalidades de IA trazem um potencial de ampliação maior aos seus usuários, e isso pode ser bastante significativo na forma como eles afetam as suas atividades. Quanto mais integrada e disponível a IA estiver nesses dispositivos, maior tendem a ser as possibilidades de acesso e seu uso constante no dia a dia.
Valor: Pode dar um exemplo de como isso muda o cotidiano das pessoas?
Martha: Imagina por exemplo, entre outras funcionalidades que já são possíveis atualmente nos aparelhos da Samsung, como rapidamente transcrever uma reunião (com o Assistente de Transcrição) ou traduzir uma ligação em tempo real para outra língua com a Tradução simultânea. O primeiro é um catalizador de produtividade, gerando relatórios e insights de uma conversa ou apresentação facilitando e expandindo o que anotaríamos ou lembraríamos. Eu tenho usado muito essa função para transcrever e resumir apresentações, inclusive em outras línguas. Por exemplo, nessa semana assisti uma série de palestras (em inglês) sobre o futuro da energia e dos transportes, o que representa horas de apresentações. Acionei o modo transcrição e depois sumarização, que pode inclusive, traduzir para o português, com as funcionalidades de tradução do aparelho. Isso é um divisor de águas para qualquer profissional da área de negócios, e mais ainda quando não falamos a língua do outro país, como se, por exemplo, ao invés de inglês, eu estivesse em uma viagem que precisasse conversar em outro idioma que não domino.
Valor: Por falar em celular, você tem contribuído com grandes empresas para levar o conceito de IA para o público. Um exemplo é com a Samsung e o Galaxy AI, que começou no Galaxy S24 e agora se estende a outros aparelhos da linha flagship da Samsung. Na sua opinião, essas iniciativas ajudam a acelerar a adoção da IA?
Martha: Com certeza. Já estão acelerando a adoção para o público executivo (como, por exemplo, funções como transcrição, resumos e tradução, que tendem a ser mais significativas, como mencionei anteriormente), mas isso tem se estendido também para o público em geral com ferramentas como o zoom e edição de fotos assistidos por IA. Essas funcionalidades permitem não apenas que você faça melhor ou mais rápido aquilo que você já fazia (edições nas fotos, por exemplo), mas possibilitam impulsionar a criatividade para fazer de forma simples aquilo que antes só seria possível para um profissional especializado, como, por exemplo remover alguém de uma imagem — hoje a IA do telefone faz isso facilmente.
Valor: Qual é então o seu conselho para quem ainda tem receios com a inteligência artificial? Ela chega para melhorar ou piorar o nosso futuro?
Martha: Toda vez que uma nova tecnologia surge, ela nos força para além dos nossos limites para exercermos nossas competências humanas em um nível mais elevado. Isso sempre foi assim. Quando a roda surgiu, ela não eliminou as nossas pernas, mas nos forçou para ir além, permitindo que fossemos mais longe, muito mais. Quanto o GPS entrou em nossas vidas, ele não destruiu a nossa capacidade mental de localização, pelo contrário, ampliou a nossa visão espacial. O mesmo processo tem acontecido com todas as tecnologias – em um primeiro momento, elas requerem que entendamos como usá-las melhor, e isso requer mudança no uso das nossas habilidades. Isso nos transforma e nos amplia. Assim, gosto de pensar que a IA vai empurrar a gente, enquanto humanidade, ainda mais para cima, para utilizarmos as nossas habilidades cognitivas e criativas em um patamar mais elevado, requerendo, para isso, habilidades cada vez mais humanas. A tecnologia tem o poder de nivelar as coisas, podendo fazer tudo para todos. Então, nesse contexto, o que diferencia e passa a ter valor são aqueles que sabem usar e extrair o máximo dessa tecnologia e, ao mesmo tempo, usar o seu potencial humano para encontrar soluções humanas que gerem experiências humanas encantadoras, que emocionem, que sejam justas, éticas, sem vieses. Temos nas mãos hoje a mais poderosa tecnologia criada por humanos, e esse é o momento de abraçá-la, pois essa conexão pode começar pelo celular, mas pode nos ampliar e levar para muito além dele.
Fonte: https://valor.globo.com/conteudo-de-marca/samsung/noticia/2024/04/18/a-ia-deve-estar-cada-vez-mais-presente-em-todos-os-aspectos-de-nossa-vida-diz-martha-gabriel.ghtml?